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Big Dan 26 anos depois: O Caso que envergonhou a comunidade Portuguesa em New Bedford

Big Dan's 26 anos depois
Ainda parece ter sido ontem o Caso Big Dan, mas já passaram 26 anos.
 No dia 7 de Março de 1983, uma segunda-feira, o jornal Standard Times, de New Bedford, inseriu nas páginas interiores uma pequena notícia redigida por Alan Levin, que trabalha hoje no USA Today e estava então no começo da carreira: "A polícia anunciou que uma jovem mulher de 21 anos foi cercada domingo à noite por uma dúzia de indivíduos num bar de New Bedford, brutalmente violada por vários deles".
A jovem seria mais tarde identificada como Cheryl Ann Araújo, natural de New Bedford, onde viveu a maior parte da sua existência. 
Nunca conhecera o pai, fora abandonada pela mãe e tinha sido criada pela avó materna.
Não concluira o high school. Tinha duas filhas e engravidara da primeira aos 18 anos e, embora vivesse com o pai das crianças, um antigo namorado da escola, frequentava bares de drogas e prostituição.
No domingo, 6 de Março de 1983, Cheryl e o companheiro celebraram o terceiro aniversário da filha mais velha no apartamento onde viviam.
Depois das crianças estarem na cama, por volta das 9:00 da noite, Cheryl dirigiu-se ao
bar Big Dan, na Belleville Avenue, onde uns quantos portugueses tomavam uns copos.
Cerca de uma hora depois, o condutor de uma carrinha que passava no local viu Cheryl sair correndo do bar, despida da cintura para baixo e levou-a à polícia.
"Estava histérica e em estado de choque", segundo a detective Sandra Grace, que lhe prestou assistência.
Os testes de alcoolemia revelaram que "estava clinicamente envenenada de álcool", segundo Charles Winek, toxicologista do Condado de Allegheny. 
Mas a história que contou não era de quem estivesse embriagada.
Entrara no bar a comprar cigarros, tomara uma bebida com outra mulher e, quando pretendia sair, alguns homens que não conhecia pediram-lhe para ir com eles.
Perante a recusa, um dos homens derrubou-a sobre a mesa de bilhar e violou-a enquanto os outros lhe seguravam as pernas e depois eles trocaram de lugar e foi violada outra vez.
"Eu podia ouvir as pessoas a rir, a gritar e a aplaudir", testemunhou Cheryl mais tarde.
"Eu estava a pedir ajuda, a gritar e a chorar".
 Cheryl voltou nessa noite ao Big Dan com a polícia, identificou os alegados violadores, que foram detidos: Daniel C. Silva e José Vieira, ambos de 26 anos; João Cordeiro, Victor Raposo e Virgílio Medeiros, todos com 23 e José Medeiros, 22 anos.
Ficaram em liberdade sob fiança de $1.000, mas, no dia 4 de Abril de 1983, Daniel comprou passagem de avião para os Açores numa agência de viagens de New Bedford, o agente alertou a polícia e voltaram todos a ser detidos. 
A Daniel foi fixada fiança de $200.000 e $50.000 a cada um dos restantes.
O que começara por merecer quatro linhas nas páginas interiores do matutino de New Bedford saltou depressa para os jornais de Providence e Boston. 
No dia 9 de Março, o Boston Herald publicou a seguinte manchete: "Bar crowd cheers as woman is raped".
Seguiram-se os grandes jornais nacionais como New York Times, Los Angeles Times, Washington Post e Chicago Tribune, onde o famoso cronista Mike Royko advogou o enforcamento dos implicados e não necessariamente pela cabeça...
O caso tornou-se assunto diário dos telejornais dos networks nacionais passando a ser visto por 50 milhões de telespectadores.
Nos programas radiofónicos de linha aberta de New Bedford, Fall River e Boston, os portugueses tornaram-se bode expiatório de todos os problemas nacionais e não faltava quem advogasse a sua castração sem anestesia.
Decorrido um ano, o julgamento atraiu jornais de Londres, Paris e Tóquio, para além de canais de televisão como a BBC britânica e a nipónica TV Toqyo.
Acompanhei de perto o julgamento fazendo reportagens para o Portuguese Channel. 
Foi no velho Tribunal Superior de Fall River, cujas celas tinham sido convertidas em salas de imprensa e eram uma autêntica babilónia jornalística.
Ainda hoje alguns portugueses se perguntam por que razões o Caso Big Dan se tornou notícia internacional, não tendo sido o primeiro caso do género.
Nem o último.
Naquela altura, com semanas de intervalo, registaram-se outros dois casos de gang rape (violação em grupo): em Charlestown, bairro de Boston, sete homens violaram uma rapariga de 17 anos no apartamento de um deles ao longo de seis horas e uma aluna da Universidade da Pennsylvania acusou oito colegas de a terem violado durante uma festa, demonstrando que crimes desta natureza também podem acontecer com futuros advogados e juizes.
Contudo, nenhum destes casos foi tão mediático como o de New Bedford, embora a violação de uma mulher de 21 anos num bar por quatro imigrantes não seja mais violenta do que a violação de uma estudante universitária por oito colegas ou de uma adolescente por sete tipos de Boston.
Discuti isso há dias com Adelino Ferreira, no nosso encontro semanal no Portuguese Channel e a opinião dele faz sentido: a marcha de protesto realizada em New Bedford oito dias depois do incidente teve cobertura televisiva da ABC e mediatizou o caso a nível nacional.
O caso mereceu repúdio feminino em New Bedford e deu origem à Woman¹s Coalition Against Sexist Violence (WCASV), liderada por  Rita Moniz, antiga conselheira municipal de New Bedford e que lecciona hoje na Towson University, em Baltimore.
No dia 14 de Março de 1983, a WCASV organizou uma marcha de protesto que atraiu 4.500 pessoas, mas grupos feministas de todo o país converteram Cheryl na mártir de que todas as causas carecem e, quando a notícia chegou à Califórnia, já se falava em 15.000.
O momento de brutalidade de um grupo de portugueses tornou New Bedford conhecida mundialmente e originou um dos mais controversos julgamentos do século 20 nos EUA.
A revista Hustler publicou em 1983 a fotografia de uma mulher sobre uma mesa de bilhar, rodeada por quatro homens e a seguinte legenda: "Greetings from New Bedford, Mass., the Portuguese Gang Rape Capital of America".
No dia 18 de Março de 1983, 12 dias depois do incidente, o grupo Portuguese American United denunciou em comunicado o "cerco psicológico" feito na TV contra um grupo étnico particular, o Português.
Ouvi a um jornalista americano que cobria o julgamento a explicação de que o empolamento étnico dado ao caso foi apenas uma forma técnica de contar a história e não propriamente uma desonra para toda a comunidade. 
A verdade é que em New Bedford qualquer história, boa ou má, envolve quase sempreportugueses ou seus descendentes, que representam 60% dos 100.000 habitantes da cidade.
O bar era de portugueses, frequentado por portugueses, a vítima descendia de portugueses, os réus eram portugueses, parte dos polícias que os detiveram eram portugueses e até o promotor de justiça, Ronald Pina, é filho de portugueses da zona de Viseu.
Com transmissão directa pela recém formada CNN, os julgamentos começaram dia 23 de Fevereiro de 1984, no Tribunal Superior de Fall River, um ano depois do incidente, quando o bar já se tinha tornado depósito de uma padaria.
Cabe sublinhar que na realidade foram dois julgamentos  separados.
Uma vez que os homens se deviam incriminar uns aos outros, Silva e Vieira foram julgados de manhã por um júri constituído por seis homens e outras tantas mulheres e os restantes implicados eram julgados à tarde por outro júri.
Ambos os julgamentos eram presididos pelo juiz William Young, do Condado de Bristol.
Uma das principais testemunhas foi Carlos Machado, empregado do bar.
Alegou ter tido medo de chamar a polícia por ter sido ameaçado, mas isso não foi provado. Disse ainda que Cheryl tomou três bebidas e não uma, como contara à polícia. 
Conversou ainda com duas outras clientes, uma das quais, Marie Correia, testemunhou que ela parecia drogada quando se aproximou da mesa de bilhar, onde José e Virgílio Medeiros se entretinham a jogar.
A versão fabricada da mãe de filhas que tinha ido comprar cigarros depois de deitar as crianças e foi atacada quando saía do bar foi a que prevaleceu, ao contrário da estratégia do sexo consensual do advogado de defesa de Silva, Edward Harrington, segundo o qual Cheryl já conheceria o seu cliente.
No seu testemunho, Daniel Silva disse que ela se abeirou dele e pediu drogas, ele propôs fazerem amor e ela pediu-lhe para a levar para casa dele,o que ele recusou alegando viver com a mãe.
Começaram então a beijar-se, ele deitou-a na mesa de bilhar, mas estava demasiado bêbedo para ter erecção e, sem conseguir a penetração, deixou a mulher e foi quando os outrosintervieram.
No segundo julgamento, João Cordeiro também testemunhou em sua própria defesa e admitiu que, quando Silva desistiu, tentou ter sexo oral com a mulher.
"Não sinto que tenha feito alguma coisa errada naquela noite.
Não penso que alguém tenha feito alguma coisa de mal", precisou Cordeiro, mas estavaenganado.
A 17 de Março de 1984, depois de quatro horas e meia de deliberações, o júri do julgamento da tarde considerou Daniel Silva e José Vieira culpados de violação agravada. Silva apanhou de 9 a 12 anos de prisão e Vieira de 6 a 12.
Cinco dias depois, após sete horas de deliberações, o júri do julgamento matinal declarou Raposo e Cordeiro culpados de violação agravada por terem tentado fazer sexo oral e foram sentenciados a penas de 9 a 12 anos de prisão.
Os Medeiros foram declarados inocentes.
Estes veredictos foram considerados um ultraje por muitos portugueses, que organizaram marchas de protesto depois da conclusão do segundo julgamento, 9.000 pessoas em New Bedford e 10.000 em Fall River, com os Medeiros à frente.
Essas marchas colocaram em causa valores da comunidade portuguesa aos olhos da mídia e da opinião pública.
Para muitos participantes, sobretudo mulheres, Cheryl é que era culpada por ter saído de casa e ter entrado num bar àquela hora da noite.
Mas a verdade é que ela tinha o direito de estar no bar e dizer não a relações sexuais quando muito bem entendesse, fosse qual fosse o seu passado.
Cheryl, que afinal também pertencia à comunidade portuguesa, foi brutalmente violada nos mais elementares direitos, conforme lembrou o falecido monsenhor Mendonça, ao tempo pároco da igreja de Nossa Senhora de Monte Carmelo, em entrevista ao telejornal da NBC: "Os direitos humanos estão acima das razões
morais e éticas e transcendem até a fé religiosa".
Há quem considere que as coisas podiam ter sido piores e que os quatro podiam ter até apanhado prisão perpétua e sido deportados pelo facto de serem imigrantes e não estarem naturalizados.
Apesar de terem sido condenados a penas até 12 anos, não passaram todos esses anos na cadeia.
Vieira esteve preso quatro anos e alguns meses, tendo saído em 3 de Maio de 1988.
Os outros estiveram presos cinco anos, tendo saído em 1989: Silva saiu a 15 de Maio de 1989, Raposo a 5 de Julho e Cordeiro a 30 de Outubro.
Quando sairam da prisão, Cheryl já tinha falecido.
Ela, as filhas e o pai das crianças tinham-se mudado para Miami para fugir ao ambiente hostil de New Bedford e procurar anonimato. 
Tirara o curso de secretariado e, aparentemente, encontrara alguma estabilidade, mas no dia 14 de Dezembro de 1986 perdeu o controlo do carro em que seguia com as filhas, para assistir a uma festa de Natal e morreu. 
Tinha 25 anos. As filhas ficaram feridas, sem gravidade.
Quanto aos implicados, todos reorganizaram a vida e estão bem, com excepção do Daniel Silva, que faleceu quando se encontrava de férias na terra natal, Feteira do Nordeste, São Miguel. 
Apenas Virgilio Medeiros acabou por ser deportado, mas por razões que nada tiveram a ver com o Caso Big Dan.
Tudo isto foi a semana passada tema de um simpósio integrado nas celebrações dos 150 anos do Tribunal Superior do Estado de Massachusetts e simultaneamente do 25º aniversário dos julgamentos, que decorreram no Tribunal Superior de Fall River. Participaram magistrados e advogados que entrevieram nos julgamentos, nomeadamente o juiz William Young, que estáagora no Tribunal Federal de Boston e admitiu que ainda hoje se arrepende do "terrível erro" de ter autorizado a divulgação do nome da vítima. 
Dos promotores, Ronald A. Pina e Raymond Veary Jr. não compareceram por motivosprofissionais, só esteve Robert J. Kane, que é agora magistrado do Tribunal Superior.
Dos advogados, apenas esteve presente Kenneth Sullivan, lembrando que "as pessoas não foram consideradas culpadas por serem portuguesas".
Paul Cordeiro, que continua chefe da segurança dos tribunais do condado de Bristol, recordou as dificuldades de manter os dois júris isolados em casas de Brockton e  revelou que os julgamentos custaram para cima de $250.000, "verba considerável para a época".
A intérprete foi Zita Seabra Lovett, ex-funcionária do escritório da transportadora aérea TAP em Boston e que trabalha no Tribunal Federal.
Zita falou do stress a que foi sujeita e fez uma revelação: estava grávida na altura dos julgamentos.
A comissária de eleições em New Bedford, Maria Tomásia, também esteve presente e lembrou que o marido, João Tomásia, tinha sido um dos fundadores do Committee for Justice, para assegurar que os acusados teriam um julgamento imparcial.
O simpósio foi moderado por Lloyd MacDonald, juiz do Tribunal Superior, que receou que o fórum viesse reabrir velhas feridas da comunidade portuguesa, mas para os mais antigos o Big Dan já lá vai e para os mais novos interessa é o Big Brother.
Em 1988, foi estreado o filme The Accused, protagonizado por Jodie Foster e inspirado no caso de New Bedford, embora a acção decorresse em Seattle.
Foster, que nesse ano ganhou o Oscar de melhor actriz, fazia a vítima, que se chamava Sarah Tobias e este apelido era a única conotação com portugueses.
A direcção da extinta Portuguese American Business Association, de Fall River, tentou na altura impedir a apresentação do filme nesta região e não conseguiu. 
De qualquer modo a maioria da comunidade portuguesa não vai ao cinema.
Tudo isto já lá vai, mas ainda hoje não me sinto à vontade sempre que entro num bar com mesa de bilhar.
Quanto às piadas, estou a borrifar-me como fez Carlos Lopes no dia 12 de Agosto de 1984, quando ganhou a maratona olímpica de Los Angeles e alguns comentadores sanabichas disseram que correra tão depressa porque na meta havia uma mesa de bilhar...

(in Portuguese Times; New bedford, Mass.-Eurico Mendes, "Big Dan's 26 anos depois")
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